JOÃO CARLOS VIEIRA MARTINHO


Os ferimentos ou a morte de um camarada em qualquer situação, mas sobretudo em combate, sempre tiveram grande impacto sobre os membros da sua unidade.

Uns eram amigos de infância, do mesmo lugar, alguém com quem se partilhara brincadeiras, a escola, a ida para a tropa. Outros, uma nova amizade, ou com quem não simpatizávamos, entráramos em conflito ou nem tínhamos convivência. Mas que se lamentava e passava a fazer parte da nossa memória, como forma de homenagem pessoal por assim terem as suas vidas alteradas ou destroçadas num sacrifício supremo. 




  
Pouco convivi com o Fur Mil Cav João Carlos Vieira Martinho, do ERec 8740/72-1.ª fase, o que não impede, que desde o longínquo ano de 1973, quando acompanhei a sua evacuação, no cair da noite africana, como premonição do que viria a ser o seu fim, ele faça parte das minhas recordações desse tempo ido.

Ao seu silêncio opunha-se o sofrimento do Adulai Embaló, clamando pelo seu pai, e a quem, o então Ten Santos Silva tentava incutir força e crença, mas que, no entanto, a gravidade dos ferimentos deixava antecipar um desfecho trágico.

Esta era a verdadeira face da guerra!

Cruel, desumana, que despertava ódios, sede de vingança. Onde à razão se sobrepunha o apelo ao irracional, tal a dimensão humana envolvida.

Todos os que vivemos esses tempos como militares, conhecemos o sentimento que despertavam estas fatalidades. Desde cedo tivemos de aceitar implicitamente a realidade de matar ou ser morto, estropiar ou ser estropiado.

Mas talvez por isso sejamos hoje os primeiros a não crer a repetição destes dramas, da guerra, contrariando os que continuam a ver nesta a forma primeira de resolução dos diferendos que opõem os homens.

Como se não chegasse a memória, acasos da vida trouxeram-me até ao concelho de Torres Vedras, lugar de origem do Martinho.

No Monumento aos Torrienses Mortos na Guerra do Ultramar, da cidade, está inscrito o seu nome. Bem como, numa placa toponímica em Sobreiro Curvo (A dos Cunhados). E de igual modo continua a estar na lembrança dos seus familiares, assim como na dos seus antigos camaradas.







O seu amigo e antigo Fur do ERec 3432-1.ª fase, Leonel Olhero, no seu livro "Ultrajes na Guerra Colonial", dedica-lhe algumas páginas e dele diz o seguinte:

“Naquele fim de inolvidável tarde triste. Cheia de fantasmas e rumores, e quase noite já. Quando um vento leve, e pálido! e louco!, varria com muita mágoa a pista de aviação, evacuaram dois nossos militares. E, ao outro dia, o Adulai Embaló adormeceu para a eternidade.
No dia chegado o Martinho, meu colega de quarto, juntou-se lhe voando para outra dimensão. A alma se lhe desprendeu. Era a hora dele; hora que ninguém ousou roubar-lhe.”


Nota do editor

O relatório das atividades mais significativas no TO da Guiné, relata este episódio:

“No dia 23 de Maio de 1973 o Pelotão de Reconhecimento foi emboscado no itinerário BULA-BINAR, durante uma escolta a uma coluna de Reabastecimento, tendo resultado a morte do Furriel Miliciano – João Carlos Vieira Martinho e do soldado – Adulai Embaló. Quando outro Pelotão de Reconhecimento escoltando uma ambulância, acorria ao local foi novamente emboscado, desta vez sem consequências.”

Alguns factos deste contato e que contribuíram para este triste desfecho, teve a ver com a Panhard que fechava a escolta, não ter respondido ao fogo do IN, por se terem encravado as metralhadoras, do mesmo modo que o condutor teve alguma dificuldade em retirar a Panhard da "zona de morte" atempadamente, de modo a poder fazer  a inversão de marcha e voltar batendo então a mesma com o fogo das suas armas.

Mas também a resposta dos atiradores teve percalços, pois a HK 21 do Albino Có teria encravado, tendo sido ajudado pelo Fur Martinho, que depois não teria logo mudado de posição, pelo que o RPG lançado para esse local o apanhou e ao Adulai.

Apesar de tudo a atuação de dois dos nossos militares da incorporação da província, o Albino Có, At Expl, operador da HK 21 e o Mário Correia, cozinheiro, de castigo na escolta de atiradores, com o morteiro 60, responderam corajosamente ao fogo inimigo, tendo sido por isso louvados.

Igualmente as Panhard que foram em apoio destes camaradas, entraram na "zona de morte" já a disparar, sendo elogiada a perícia da tripulação da Panhard do lenço vermelho, como foi designada pela Maria Turra, da rádio do PAIGC, e do seu apontador Francisco António José (o Samouco) que concentrou o tiro das MAC 7,62mm nos locais donde estava a ser feito tiro pelo IN, levando estes a debandar.

Para além do Martinho e do Adulai, a nossa saudosa homenagem para o “Samouco”, já falecido, o Albino Có, que terá sido fuzilado depois da independência e o Mário Correia, que evitaram que mais camaradas tivessem tido naquele longínquo dia 23 de maio, um fim trágico.



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