A ALIADA FRANCESA DA CAVALARIA EM ÁFRICA






INTRODUÇÃO


A utilização da autometralhadora Panhard AML 60, pelo Exército, surge na sequência do conflito militar que decorreu entre 1961 e 1974, nos territórios ultramarinos sob administração portuguesa e da necessidade de reequipar as unidades de reconhecimento com novos veículos blindados ligeiros (VBL), mais adaptados ao tipo de guerra que nos era imposta, de maior mobilidade e poder de fogo.

Ao longo desses anos, a arma de Cavalaria, nunca considerara como preponderante a utilização de carros de combate, vulgo de lagartas, entre outras razões, pela sua inadequação à guerra de subversão enfrentada, ao meio físico dos teatros de operações (TO) ou as restrições ao uso de material NATO.

Apesar de tudo, foram usados a título experimental, em finais dos anos 60, em Angola, na região de Nambuangongo, três carros de combate "Stuart" M5A1 15 TON 3,7 CM M/1956, por proposta do então Cap Mendes Paulo, integrados no BCav 1927, tendo operado até 1972, com relativo êxito operacional.

Estes veículos foram apelidados pelos guerrilheiros de "Elefante DunDum". Título de um livro da autoria deste oficial sobre a sua experiência operacional durante a guerra de África.



"Stuart" M5A1



AS UNIDADES DE RECONHECIMENTO: ORGÂNICA E MISSÃO


As unidades de reconhecimento estavam equipadas com autometralhadoras formando unidades-tipo pelotão (PRec) ou esquadrão (ERec), este ao nível de escalão companhia.

A orgânica clássica desta unidade assentava em quatro secções: comando (SecCod), exploração (SecExplor), atiradores (SecAt) e autometralhadoras (SecAM). Podendo, no entanto, variar em função do tipo de missão, número de veículos disponíveis, área de operações...

Ao nível da intervenção funcionavam como "unidades orgânicas do território", sendo empenhadas num "...variado leque de missões, contribuindo para a segurança das forças e de pontos essenciais, assim como para a capacidade ofensiva do Exército."

Na Guiné, esta orgânica assentava em duas secções (SecAM) e (SecAt), com estes a serem transportados em Unimog 404 ou White M3A1 5 TON 4x4 M/1946.

Para além de missões dentro da zona operacional do "Esquadrão de Bula", as Panhard AML 60 eram destacadas para outras zona do TO, em complemento, com a missão de dar proteção à abertura de novas estradas, escoltas a colunas de reabastecimento, transporte de pessoal..., patrulhamento de itinerários ou de interdição em grandes operações.






A RENOVAÇÃO DOS MEIOS OPERACIONAIS BLINDADOS


No inicio do conflito, as autometralhadoras e os semiblindados de transporte de pessoal, eram veículos oriundos de excedentes da Segunda Guerra Mundial recebidos por Portugal (Fox, Daimler, White M3A1, Granadeiro). Mostravam-se desadequados para o tipo de guerra em causa, mas apesar de condicionados, alguns mantiveram-se operacionais até ao final do conflito.

De inicio foram utilizadas as TP2 EBR Panhard 8x8 MOD 959 e TP14 ETT Panhard8x8 MOD 959 (único país para além da França a utilizar este modelo), pelos Dragões de Angola, mas que se mostraram operacionalmente inapropriadas.

Perante este panorama de antiguidade e insuficiência de meios que garantissem uma atividade operacional consistente. As chefias militares e o Governo de então, apesar das restrições existentes à aquisição de equipamento militar ou da limitação orçamental para tal, tiveram que considerar como premente a aquisição e reforço destes veículos blindados.


 A FRANÇA E A REPÚBLICA FEDERAL ALEMÃ


A oposição dos nossos tradicionais aliados -EUA e Reino Unido- à inflexibilidade da política ultramarina seguida por Portugal, levaram à criação de um conjunto de objeções que acabaram por conduzir a um esvaziamento da política de alianças por parte destes países. Perante o que o Governo, teve que procurar, para além de novos apoios políticos, quem pudesse igualmente suprir as necessidades de fornecimento de material militar, disponibilidade encontrada na França, na República Federal Alemã (RFA) e na África do Sul.

Em inícios de 1959, a chegada ao poder do general Charles de Gaulle, e as alterações da política externa francesa, beneficiaram Portugal através de um forte incremento das relações político-militares, que para além do apoio às pretensões portuguesas em África, incidiu grandemente no fornecimento de material de guerra, chegando mesmo a França a posicionar-se  como principal fornecedor.

Em consequência deste apoio, os três ramos militares, foram reforçados com a chegada de novo e diverso tipo de equipamento.

O acordo com a França permitiu, por exemplo, o fornecimento de aviões T6 Harvard..., helicópteros Alouette III, a implementação de um programa de renovação da frota de navios de guerra, com a construção de novas unidades, veículos militares, armamento, munições....

Com a RFA, o acordo passou, entre outros, pela produção nacional da espingarda automática Heckler & Hoch G3 (que era também exportada para a Alemanha), aviões Fiat G91, veículos militares Unimog....


OPERAÇÃO PANHARD


Em 1958, Portugal recebera uma proposta de Paul Panhard para aquisição de algumas dezenas de veículos blindados TP2 EBR Panhard MOD 959 e TP14 ETT Panhard 8x8 MOD 959. Veículos de que o Exército necessitava, mas que o Governo pretendia, atendendo às sua condicionantes financeiras, obter através de "compensações de ordem comercial".

Após um período de negociações, esta pretensão viria a ser aceite pelo Governo francês e pela empresa vendedora, dando origem a um "Protocolo Comercial", que em anexo, mencionava que parte do pagamento desses equipamentos militares seria realizado através de "contingentes de importação de produtos originários da zona escudo, representando 75% das somas a pagar pelo Ministério da Defesa português à Société Panhard".

Ou seja, por via deste protocolo, Portugal viria a "adquirir material de guerra para a defesa das colónias portuguesas, dando em troca vinhos correntes, milho e produtos hortícolas de Angola e arroz da Metrópole e das Províncias Ultramarinas".

Contudo, as EBR e ETT recebidas não satisfizeram o Exército, que as considerou desadequadas para o teatro de guerra africano. Por esse motivo, em 1961, "as autoridades militares portuguesas queriam que o governo francês aceitasse de volta dezasseis dessas autometralhadoras em troca da aquisição de trinta e oito Panhard dum modelo mais recente...".

Assim, em 1964, e na sequência de posteriores negociações, a França dava luz verde à exportação de diverso material de guerra, incluindo a Panhard AML HE 60-7.

Bibliografia para os capítulos: A França e a República Federal Alemã e Operação Panhard
Marcos, Daniel da Silva Costa (2007) Salazar e de Gaulle: a França e a Questão Colonial Portuguesa (1958-1968). Instituto Diplomático. Ministério dos Negócios Estrangeiros. Lisboa



A PANHARD AML 60 : OPERACIONALIDADE


A opção por este veículo blindado viria a mostrar-se  como a mais acertada, não só pela sua atualidade (a sua produção tivera inicio em 1960), como por ter sido concebido para utilização num cenário de guerra próximo do que as NT enfrentavam.

Portugal terá recebido entre 1965 e 1968 cerca de 50 veículos. Tendo a Panhard AML  60 passado progressivamente a equipar as unidades de cavalaria na Guiné, Angola e Moçambique.

A África do Sul, para além da formação de chefes de carro e tripulações, cedeu vários veículos da Eland MK 4 4,8 TON 6 CM 4x4 M/1972", uma versão da Panhard AML 60, produzida sob licença nesse país. 



Eland MK 7/60


A Guiné pode ser considerada como paradigmática, relativamente à opção pela Panhard AML 60, tendo este veículo blindado provado  a sua adequação ao tipo de conflito.

Aquando da formação do primeiro esquadrão de reconhecimento na Guiné, o ERec 2454, em 1968, estavam já operacionais sete Panhard AML, que foram chegando gradualmente a partir de Junho de 1966 e que equiparam os PRec 1106 e 2024.


Primeiras quatro Panhard AML a operar na Guiné


Enquanto durou o conflito, o número de veículos não terá excedido a dezena e meia, tendo o "Esquadrão de Bula", em 1973, recebido o reforço de seis Panhard AML 60 idas de Angola, conjuntamente com motores e peças de substituição. Tal foi fundamental  para a manutenção da capacidade operacional da unidade.

As alterações das relações político-militares com a França, entretanto ocorridas, condicionaram o fornecimento de equipamento militar por este país, o que teve graves implicações na manutenção dos veículos, sujeitos a constantes avarias, devido ao seu uso intensivo  e falta de peças sobressalentes.

A título de curiosidade, até as granadas de morteiro 60 francesas, tiveram que ser substituídas pelas portuguesas.


O FIM DE CICLO DA PANHARD AML 60


Terminada a guerra de África em 1974. A Panhard AML 60 continuou a equipar a arma de Cavalaria.

Na década de 80, e de modo a prolongar a utilização deste veículo blindado, pelo Exército,  decorreu um projeto de substituição do motor original, por um da Opel de 1900cc, bem como da substituição da embraiagem eletromagnética por uma clássica, que no caso da remotorização não correu como espectável. 

Esta operação de utilização de peças de veículos comerciais já ocorrera anos antes em Angola e principalmente na África do Sul.

A Panhard AML 60 manteve-se ao serviço até finais dos anos 90. Mas a versatilidade operacional e a mística obtida por este veículo blindado não ficaram esquecidas, sendo a sua continuidade no Exército assegurada por um novo modelo do mesmo fabricante: a Panhard Ultrav M11 D 4x4 M/89-91.



Panhard Ultrav M11 com metralhadora Browning 7,62mm e Radar AN/PPS-5B


Sempre que possível foram utilizadas as designações dos veículos atribuídas pelo Exército português. 


Bibliografia
Berger, TCor josé Paulo. (2007) A transformação do Exército e os Quartéis da cavalaria.,in Revista da Cavalaria n.º 12, 3.ª série, julho 2007. Lisboa
CECA. (2014). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). Vol VI. Aspectos da Actividade Operacional, Guiné. Lisboa 
Coutinho, MGen Pereira. (2012) Exército Português Auto-Metralhadoras (Continuação), in Revista de Cavalaria n.º 27, 5.ª série, Maio-Agosto 2012. Lisboa
Maia, Maj Cav Salgueiro (1983) Apontamentos para a História do Carro de combate (LXXVI), Anotações para a História dos Blindados em Portugal - 12, Viaturas Blindadas de Origem Francesa Adoptadas pelo Exército Português, in Jornal do Exército n.º 279, Ano XXIV, Março 1983. Lisboa
Monteiro, Pedro Manuel (s/data) Os blindados não se medem aos palmos, in Motor Clássico n.º 57. Lisboa 
Silva, Asp Of Cavalaria Marco José M. da (2011) As Unidades de Cavalaria durante o século XX. As Razões da Mudança. Trabalho de Mestrado em Ciências Militares - Especialidade de Cavalaria. Academia Militar. Lisboa 

Webgrafia




2 comentários:

  1. Li tudo o acima relatado. Embora sabendo, gostei de relembrar. Acrescento que tive a sorte de pertencer ao Esq. Panhard de Bula-Guiné e, de entre outros bons amigos ali granjeados, tenho pelo administrador deste Blog - José Carlos C. Ramos - um especial carinho.

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  2. Li tudo o acima relatado. Embora sabendo, gostei de relembrar. Acrescento que tive a sorte de pertencer ao Esq. Panhard de Bula-Guiné e, de entre outros bons amigos ali granjeados, tenho pelo administrador deste Blog - José Carlos C. Ramos - um especial carinho.

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