VEÍCULOS BLINDADOS DO PAIGC (I)



BRDM-2

Desde o início da luta armada em 1963, que o PAIGC evidenciou uma organização política e estrutura militar consentâneas com o objetivo a que se propunha de tomada do poder e de independência do território da Guiné da Administração portuguesa.

A preparação e meios para conseguir esse fim cedo foram redefinidos, como sublinhado no relatório do Conselho Superior de Luta do PAIGC, apresentado por Aristides Pereira, em novembro de 1977, no III Congresso do Partido, em que refere: 

"(...) a criação do nosso Exército Popular em 1964, pelo 1.º Congresso do PAIGC (em Cassacá), sob proposta do camarada Amílcar Cabral, foi uma exigência do desenvolvimento da luta que já não se compadecia com a dispersão das forças e dos comandos e que impunha a criação de unidades bem organizadas, com uma disciplina rigorosa, dotadas de meios mais poderosos e com uma maior capacidade de manobra. Paralelamente, foram mantidas, como componentes das FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo), as unidades da guerrilha não integradas no Exército Popular e a Milícia Popular, a que se substituíram, na fase final da luta, as Forças Armadas Locais (FAL)."

Bibliografia: Lopes, Carlos (1982). Etnia, Estado e Relações de Poder na Guiné Bissau. Lisboa. Edições 70


Relacionado com este princípio estava igualmente a melhoria do armamento utilizado pelo PAIGC, com potencial de fogo equivalente ao das nossas forças ou mesmo superior, como comprovado por novos sistemas de armas, como o morteiro pesado de 120mm, os foguetões de 122mm ou os mísseis terra-ar SA-7 Grail Strella. E a prevista utilização de viaturas blindadas e aviões de caça, que permitiriam evoluir para operações de tipo convencional, e que forçosamente exigiriam o rearmamento das NT. Sendo este, no entanto, um tema que ultrapassa o propósito deste artigo.

A localização das principais bases da guerrilha nos territórios limítrofes do Senegal e da República da Guiné-Conacri facilitou desde cedo o uso de veículos motorizados pelo PAIGC para apoio logístico. Nessa condição, o evoluir da guerra e mais tarde alguma retração das NT, veio também facilitar o uso de viaturas blindadas no conflito por parte do PAIGC.

Num texto publicado no blogue de José Milhazes, intitulado "Contributo para a História (Guiné-Bissau)". Confirma-se essa pretensão da direção do partido na obtenção de melhor armamento:

"Há já alguns anos que recolho os materiais mais diversos, desde memórias a cartas, sobre a passagem de conselhos militares soviéticos e russos pelas antigas colónias portuguesas.

(...) Entre os vários documentos encontrados, deparei com as memórias de Piotr Evsiukov, antigo funcionário da Secção Internacional do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética e embaixador soviético em Maputo, após a independência de Moçambique.
Este diplomata relata um episódio que mostra uma das muitas formas utilizadas para se conseguir ajuda militar soviética.

As notícias sobre as actividades de Amílcar Cabral na Guiné-Bissau começaram a chegar a Moscovo em meados de 1961. Em finais desse ano, o dirigente da guerrilha guineense dirige-se à Embaixada da URSS em Conacri com vista a pedir para ser recebido na capital soviética. O pedido foi aceite. Piotr Evsiukov recorda um dos encontros de Amílcar Cabral com Andrei Gretchkov, ministro da defesa da URSS: "Vale a pena contar um episódio curioso que teve lugar durante uma das festas oficiais na União Soviética. Em Moscovo juntaram-se hóspedes. Veio também A. Cabral com a esposa Maria. Na véspera, Cabral tinha pedido o fornecimento de alguns tipos de armamentos e, se a memória não me engana, vários carros blindados. O ministro da Defesa, marechal A. Gretchkov, não concordou com o meu projecto de decisão de satisfazer o pedido. Durante uma conversa a este propósito com o comandante da Direcção de Reconhecimento Principal (GRU) do Estado-Maior, o general P. Ivachutin, este último, compreendendo que o pedido era fundamentado, propôs-me recorrer a uma artimanha. Mais precisamente, durante um banquete no Palácio dos Congressos no Kremlin, ele dar me-ia, no momento preciso, um sinal para que eu levasse Cabral até Gretcho e os apresentasse.

A ideia foi realizada com precisão militar. Eu não desviava os olhos da mesa onde estava o marechal com um general. Já quase no fim da recepção, Piotr Ivanovitch (Ivachutin) fez-me o sinal combinado e nós, com Amílcar e Maria, aproximámo-nos de Gretchko. Amílcar apresentou-se. Excitado e bem disposto, o marechal respondeu com clara bondade à saudação e disse: "Então você é que é Amílcar Cabral, eu recusei o seu pedido, mas amanhã darei o acordo". O secretário-geral do PAIGC ficou extremamente satisfeito com a conversa curta, mas útil, com Andrei Antonovitch (Gretchko). O ministro cumpriu a palavra. No dia seguinte, telefonaram-me e comunicaram-me que o projecto tinha sido assinado".



Apesar do aparente acordo com este pedido de Amílcar Cabral. A utilização de viaturas blindadas, recebidas da URSS, apenas teria ocorrido nos primórdios dos anos 70.

Um texto de Nuno Rubim Cor Art Ref, publicado no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné", dá conta da existência de um: "(...) documento emanado pela 2ª Rep/Com Chefe Guiné sobre os BRDM 2". Bem como a existência no Arquivo Histórico Militar de um outro referente ao BRDM 1.

Faz ainda referência a "(...) uma carta do A. Cabral para o Pedro Pires (Dez 72) a "sugerir" a utilização dos blindados nos ataques a alguns dos nossos aquartelamentos fronteiriços no Sul."

Comentando este texto Amílcar Ventura que foi Fur Mil no BCav 8323, refere também a utilização de viaturas blindadas na região de Pirada-Bajocunda-Copá.

Cotejando outros textos deste mesmo blogue  sobre o tema, surgem mais algumas referências a reter:  

A primeira de Fernando Sousa Henriques que foi Alf Mil Inf CIOE na CCaç 3545 (Canquelifá), inserida no seu livro "No Ocaso da Guerra do Ultramar":

"Normalmente durante a noite, ouvíamos o roncar de viaturas que deviam proceder ao reabastecimento das diferentes posições no terreno ou, então, à mudança das mesmas com transportes de pessoas, armas e munições.
Esta situação trazia-me preocupado, pois se viessem ao assalto ao nosso aquartelamento a nossa oposição seria difícil, no caso de utilizarem viaturas blindadas, de que já se ouvia falar, uma vez que só dispunha-mos de umas três ou quatro bazucas, usadas nos patrulhamentos e sem nenhum pessoal treinado para a luta anti-carro. os RPG-2 e RPG-7, usados pelo IN, revelavam-se de manejo mais fácil e eficaz."

Por sua vez António Rodrigues, antigo Sol Cond Auto do BCav 8323 (Copá), escreve:

"Também em Copá se ouvia de vez em quando o roncar dessas viaturas durante a noite.
Ora nós em Copá, no dia 7 para 8 de Janeiro de 74, enfrentámos o assalto do PAIGC ao nosso aquartelamento, precisamente com dois blindados, um dos quais chegou a entrar dentro do aquartelamento e nós na altura, só com  27 homens (bazucas uma) e muita sorte, lá os conseguimos repelir."

Como nota final este camarada acrescenta: "Soube recentemente, através de uma pessoa que se deslocou à Guiné e a Copá e falou com os guerrilheiros da altura, que lhe disseram que, durante os combates na noite de 7 para 8 de Janeiro de 74, com os carros de combate do PAIGC, lhes matamos o comandante que os comandava nessa noite. e a minha conclusão é que esta foi mais uma razão para eles retirarem ao fim de 01,10 horas e assim termos escapado a uma quase eminente captura."














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