5 DE MAIO DE 1973: NOVOS FACTOS

Fonte: http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial60_mapa_Bula.html


A inserção de um artigo neste blogue sobre a operação ocorrida na mata do Choquemone, com o título “5 de Maio de 1973” teve essencialmente três motivos: primeiro o ser mencionado por diferentes autores (ambos ligados direta e indiretamente ao Esquadrão) nos livros que publicaram, proporcionando, deste modo, perspetivas individuais sobre o mesmo acontecimento; o segundo o ter envolvido uma companhia com pouco tempo de Guiné, com um desfecho que afetou a moral de todos os militares envolvidos e ficou na memória de muitos; por último o sublinhar a participação das Panhard em ações de combate, que demonstraram a mais-valia destas viaturas e o modo espontâneo e corajoso de atuar, mesmo em situações extremas, das suas tripulações.
    
A propósito deste artigo, o meu amigo e Cor Rui Santos Silva fez-me chegar um texto, que sem colocar em causa a descrição feita nos seus livros por Leonel Olhero e Salgueiro Maia, procura esclarecer o que na realidade se passou, dada a sua intervenção direta, como Oficial de Operações do BCav 8320, nessa operação.

Não tendo o seu depoimento a projeção que advém de uma publicação em livro, não deixa no entanto de ficar aqui o registo simples para “memória futura”, dum acontecimento que se não incomum no panorama do que foram os milhares de operações realizadas ao longo do conflito, tocou de perto dramaticamente este oficial e, por certo, muitos outros camaradas.

Assim, e conforme diz, “sem entrar em pormenores das razões de planeamento, nem tão pouco das informações existentes que levaram à realização da operação”, o então Ten Cav Santos Silva, recorda esses acontecimentos passados, a 5 de maio de 1973, no período entre as 06h30 e as 24h00:

“Inicialmente as forças empenhadas eram compostas por pelotões de milícias, uns posicionados estrategicamente, servido de tampão e outro de intervenção em toda a área da mata do Choquemone.

Pelas 06h30, aproximadamente, quando na presença do comandante do BCav 8320, tomava o pequeno-almoço, ouvimos tiros vindos da área da operação, tendo-me de imediato dirigido para a Sala de Operações e através da central telefónica, entrado em contato via rádio, sendo o âmbito da conversa resumidamente este:

-Meu tenente aguarde um segundo pois estou a alvejar uma patrulha do PAIGC.
Quase de imediato ouvi um tiroteio muito intenso que me causou receios e após alguns momentos de silêncio recebo então a resposta do radiotelegrafista:
-Estou sozinho e os elementos do meu pelotão foram dispersos pela fuga para Norte do grupo do IN (pelotão estava emboscado a Norte).

De imediato dei ordens para que procurasse os camaradas e se dirigissem na direção do Sol, de modo a virem dar à estrada de Bula-Binar. Após isso solicitei ao Esquadrão das Panhard para escoltar as viaturas que a partir do batalhão se dirigiam para o local e nas quais me incorporei. Não recordo, ao certo, quantos milícias foram recolhidos, mas eram ainda alguns.

Perante a complexidade e intensidade dos combates, desloquei o posto de comando para Capunga, sede de um dos pelotões da companhia de Salgueiro Maia e que estava posicionado a cerca de 2 ou 3 quilómetros em linha reta do local dos combates. Tendo a partir daí dado continuidade ao comando e controlo de toda a operação.

Fui informado por milícias que, entretanto tinham sido recolhidos pelo pessoal das AML Panhard, de que o grupo do IN envolvido se compunha de pelo menos cerca de 150 a 200 elementos que estariam acampados, provisoriamente, um pouco acima das regiões do Petabe e Horta do Ananases.

Entretanto, deu-se o contato com o IN do grupo de intervenção que patrulhava o interior da mata na procura de locais de refúgio ou elementos do IN. Desses contatos não resultaram feridos, mas sim elementos desaparecidos e cujo paradeiro era difícil de detetar.

Por impossibilidade de uso da nossa artilharia, dado não ser possível localizar com precisão a posição das nossas forças no interior da mata, solicitei o apoio da Força Aérea, que nessa data apenas efectuava missões a cerca de 5 mil pés de altitude, dada a presença dos mísseis STRELA, por toda a Guiné, inviabilizando as missões a altitudes mais baixas.

Para esta missão foi-me pedida a garantia de que não haveria tropas nossas num raio de 3 quilómetros do objetivo referenciado, que era o acampamento provisório do IN. Garantia que dei, embora com algumas dúvidas, pois até o nosso próprio posto de comando estaria dentro desse raio de ação. Apesar de tudo, foram lançadas bombas de 750 libras que atingiram o objetivo indicado, tendo-se efectuado de seguida a exploração do local do bombardeamento por um pelotão de milícias, sendo encontrados diversos materiais escolares, mosquiteiros novos e capturada uma mulher doente, não resultante de combate, que foi posteriormente evacuada para o hospital em Bissau.

A força do IN reconstituiu-se em vários grupos o que aumentou a intensidade dos combates e razão pela qual foi pedida nova intervenção da Força Aérea, desta vez realizada com recurso a três helicópteros armados com heli-canhão.

Em simultâneo ocorria outra operação em Ponta Matar com uma companhia de cavalaria recentemente chegada à Guiné e que tinha feito o IAO no Cumuré. A esta tinha-lhe sido atribuída uma missão teoricamente mais fácil tendo em atenção que nessa zona o dispositivo do IN não ultrapassava em média um efetivo acima dos 15 elementos em permanência, o que para uma unidade que fazia a sua primeira intervenção se considerava adequado. Mas perante a dimensão dos acontecimentos a operação em Ponta Matar foi suspensa tendo-se feito regressar a companhia a Capunga, sede temporária do comando de operações, com a intenção desta reforçar o efetivo em operação. A companhia comandada pelo Cap Mil Calado formou em Capunga sendo colocada a par da situação e tendo-lhe sido atribuída a missão planeada de reforço das tropas que operavam no Choquemone.

E é aqui que surge um problema de enorme gravidade que graças à intervenção do então Maj César Monteiro, segundo comandante do BCav 8320, foi sanado com eficácia, brevidade e bom senso. Refiro-me ao facto de o comandante da companhia se ter negado a cumprir a ordem que tinha recebido, -penso que este acontecimento não é conhecido de muita gente-. Após o que, como previsto, a companhia entrou então na mata pela zona da Horta dos Ananases, tendo deparado com uma força do IN comandada por alguns elementos brancos trajando com um camuflado muito idêntico ao das NT. Ao avistarem estes elementos fardados de modo semelhante, os mesmos foram confundidos com elementos nossos, sendo no entanto elementos do IN, pensasse que “cubanos”, que de imediato abriram fogo causando alguns mortos e feridos graves. A evacuação destes feridos fez-se de Unimog para Capunga tendo sido depois evacuados a partir de Bula para o HMP.

Nessa altura estava presente o Cap Salgueiro Maia vindo de Pete e conjuntamente com ele tentei que um dos feridos fosse evacuado por um dos helicópteros acima referidos, tendo sido negada essa evacuação, dado alegarem não haver condições para o realizar por estarem os mesmos equipados para heli-canhão.

Foi uma ocasião para mim e todos os presentes muito chocante tendo nesse momento pegado numa G3 e ameaçado os helis com abertura de fogo se não desaparecessem imediatamente, após o que sobrevoando o campo de futebol do destacamento se retiraram.
Este militar acabou por falecer junto a mim e ao Cap Maia sem que nada se pudesse fazer.
Tendo os combates continuado no terreno, houve mais um ferido que foi evacuado por um pelotão de milícias de que fez parte voluntariamente o médico do batalhão Alf Ribeiro que em plena mata lhe prestou os primeiros socorros.

Cerca das 18h00 determinei que todas as forças envolvidas regressassem aos seus aquartelamentos, tendo eu próprio regressado a Bula, onde já se encontrava uma companhia de paraquedistas vinda em reforço.

Dirigi-me à Sala de Operações onde encontrei o comandante de batalhão, o Cap Sardica, comandante da companhia de Binar e algumas senhoras familiares de militares que na altura se encontravam em Bula. O cansaço era grande e gentilmente foi-me perguntado se queria um whisky, bebida que não cheguei a tomar porque entretanto fomos brindados com um ataque com foguetões de 122mm (cerca de 12) vindos da área do Choquemone. Fiquei onde estava, sentado à secretária, e quando inquirido se não me ia proteger respondi que não valia a pena pois não sabia em que sítio cairiam.

Por ordem do comandante de batalhão foi dito à companhia de paraquedistas para entrar na mata e tentar capturar as rampas de lançamento dos foguetões, o que não chegou a acontecer por entretanto ter caído a noite. Estas rampas eram deixadas abandonadas sendo apenas recuperadas depois de arrefecerem.

Acompanhado pelo Cap Sardica fui depois verificar os estragos causados pelos foguetões que na sua totalidade caíram na povoação ou perto dela.

Era tempo de descansar, sendo pela meia-noite acordado pelo comandante de batalhão, para o acompanhar a Capunga, onde ficara instalada a companhia de paraquedistas.

No dia seguinte, 6 de Maio, foi realizado o balanço final da operação e os relatórios correspondentes, sendo que da mesma resultaram para as NT: sete mortos, quatorze desaparecidos e cerca de seis feridos; do lado do IN estes tiveram cerca de cinquenta mortos e vários feridos, dados obtidos através de informações classificadas A1.

Informações posteriores indicavam que este numeroso grupo se preparava para efetuar um ataque de grande dimensão a Bissau, estando apenas de passagem na zona.

Na mesma altura recebemos a visita do comandante do COP1, instalado em Mansoa, Cor Rafael Durão, que se deslocou a Bula para reconhecer e dar público testemunho da forma determinada e corajosa como tinha sido enfrentada tão complexa situação.

Aqui fica a descrição o mais pormenorizada possível do que se passou nesse triste dia 5 de Maio de 1973, assumindo eu inteiramente a responsabilidade do que afirmo e descrevo.”


Nota do editor

Tratava-se da CCav 8353 que chegou à Guiné em 22Mar73 e regressou em 30Ago74.

Esta unidade possui um blogue na Internet: http://ccav8353.weebly.com/index.html, onde entre outros temas estão os nomes dos militares falecidos nesta operação.

1 comentário:

  1. Consultado o mencionado 'site' da CCav8353, neste momento [051617MAI2019] ainda nada ali consta relativamente aos nomes dos malogrados 8 (oito) militares mortos em combate em Dungor (itinerário entre a horta dos ananases e a mata de Choquemone), naquele sábado 05Mai1973.

    - ASTÉ DUÉ (Sld milícia do PelMil293)
    - FERNANDO MUSSÁ (Sld milícia do PelMil293)
    - JOÃO LUÍS PEREIRA DOS SANTOS (Sld atirador da CCav8353)
    - JOSÉ JOÃO MARQUES AGOSTINHO (1Cb atirador da CCav8353)
    - MANUEL TULA (Sld milícia do PelMil293)
    - QUINTINO BATALHA CARTAXO (Sld atirador da CCav8353)
    - SERAFIM DE JESUS LOPES FORTUNA (Fur milº atirador da CCav8353)
    - UNGASSE INSACUA (Sld milícia do PelMil293)

    Paz às suas Almas.

    São eles:

    ResponderEliminar