DO PRINCÍPIO E DO FIM DE TEMPOS DE GUERRA






No ano de 1972 teve início um dos períodos mais marcantes na vida de todos os que, integrando o ESQUADRÃO DE RECONHECIMENTO CHAIMITE-AML REDUZIDO 3432 (2.ª Fase), do Exército Português, tiveram que participar, à semelhança de milhares e milhares de homens, no conflito africano que opunha Portugal aos movimentos que pretendiam a libertação dos seus então territórios ultramarinos.

Com destino à Guiné, essa partida ficou descrita como tendo ocorrido no dia 30Mai72 às 12H30, num avião dos T.A.M. (Boeing 707), com um almoço servido a bordo e desembarque em Bissau às 14H30 (hora local). Recebidas as bagagens e após embarque em viaturas de transporte, iniciou-se a marcha para Bula, onde se chegou pelas 17H00. 
(ver neste blogue as páginas ERec 3432 I-II)

Não houve um período de adaptação mental à incógnita que era a nova realidade que iriamos viver, mais introspetiva quando a viagem era de barco, pelo que apesar do caloroso acolhimento dos "velhinhos", do ERec 2641 (2.ª Fase) que iamos render, nesse mesmo dia, após escurecer e ao longe, eram audíveis os rebentamentos da flagelação de um nosso aquartelamento pelo IN e da  resposta das NT. Era a guerra que nos dava as boas vindas.

Os longos meses de comissão foram vividos no quotidiano das escoltas e do destacamento de pelotões de Panhard por diferentes zonas do TO, em reforço de diversos batalhões, como unidade de intervenção ou colaborando na segurança dos trabalhos das estradas em construção ou proteção das colunas de reabastecimento e de transporte de materiais.

A 11Abr73 a 1.ª Fase do ERec 8740/72 integrou o "Esquadrão" rendendo o ERec 3432 (1.ª Fase) que terminara o seu tempo de serviço e regressava à Metrópole.

Em finais de Abril de 1974, o ERec 8740/72 (2.ª Fase) substituia operacionalmente o ERec 3432 (2.ª Fase) que recolhia a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
Símbolo de fim de comissão recebemos apenas a "fita" da Medalha Comemorativa das Campanhas, que passados tantos anos ainda continua por receber por muitos combatentes e significativa para quem via nela o sentido de dever cumprido.

















Contudo, a história encarregar-se-ia de alterar a transição de fases e a 08Abr74 ordem inexorável impunha a saída do "Esquadrão". Assim, depois de um último almoço nesse espaço comum, carregados na camioneta os nossos parcos haveres, pelo meio da tarde, escoltados pelos nossos camaradas, partimos na direção de João Landim, para atravessar o rio Mansoa e desse modo por fim a 25 meses de comissão passados numa terra estranha que nos habituáramos a ver como nossa  e numa localidade cujo nome viria a tomar parte da revolução que ainda não advinhávamos, BULA.







Mas a ânsia superior de nos fazer chegar à COMBIS - Bissau sofreu alguns contratempos e a tardia hora já não permitia a cambança, levando a que a camioneta tivesse que regressar e apenas nós pudéssemos passar para a margem sul do rio, já noite escura, em levas sucessivas de "syntex", guiados pelo holofote do fortim erigido pelos "Pica na Burra" e onde nos esperavam as viaturas de transporte.

Chegámos tarde a um jantar requentado, em dia de cinema  pouco convidativo, encontrando as praças um espaço exíguo promovido a caserna, com camas sobrepostas, algumas a três, onde apenas existia um encardido colchão de espuma. Havia que dormir vestido pois o mimo dos lençóis e cobertor ficaria para mais tarde, tal como os haveres de cada um.

Na COMBIS, com algumas Panhard passariamos a unidade de reforço e intervenção, passando a patrulhar a cidade e a rede de segurança que rodeava Bissau. E o restante pessoal a realizar guardas a paióis, Central Elétrica, Forte da Amura, controlo de pessoas e até um funeral.

Na falta de oficiais, alguns protagonistas do golpe militar que viria a acontecer, ficámos sobre o comando de um 1Sarg que pouco ou nada sabia do nosso futuro.

O agravamento da situação militar, mesmo com a escassa informação, era perceptível e indiciava medidas extremas, como acontecia com a retenção de unidades com a comissão acabada como a nossa, de que é exemplo a CCav 3420 de Salgueiro Maia, rearmada para acorrer a Guidage.

Mas num repente a 26Abr74, pudemos constatar que algo de profundo estava a acontecer, que mudaria o curso da guerra e efetivaria o nosso regresso. No entanto, esse imediatismo desejado não passou disso e apenas a 06Jul74, depois de termos passado a última semana no Cumeré, regressámos ao RC 7 onde no Pátio da Nora fizemos o espólio e onde as nossas famílias nos esperavam.

Tirando os que por via do seu padecimento físico, jamais poderiam ser ignorados, todos os outros combatentes do Serviço Militar Obrigatório (SMO) caíram no ostracismo das Forças Armadas que serviram e da Nação.

Embora em anos mais recentes o  Estado, através do Ministério da Defesa, tenha criado iniciativas e apoios que procuram dar um caráter mas institucional, não deixa de ser uma forma de branquear esse esquecimento. Este não consegue fugir ao passar do tempo e essas ações um lenitivo do que deveria ter sido uma intervenção centrada e concertada de apoios médico, psicológico e social que hoje se desdobra por diferentes entidades, o que não invalida o mérito  da sua ação, mas sempre pendentes de decisões políticas e legislativas que nunca foram consensuais nem suficientemente abrangentes em termos de eventuais direitos. 

Embora a compensação monetária anual possa ter para muitos combatentes do SMO maior significado, a utilização desse fundo deveria antes suportar atualmente, aproveitando a desativação de muitos edifícios militares, a criação de Lares ou Unidades de Cuidados Integrados, atendendo ao continuado envelhecimento desta comunidade.









  




Sem comentários:

Enviar um comentário